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segunda-feira, 17 de maio de 2010
O Marido da Crônica
quem sou eu:
Sinto-me hoje toda prosa.
Sem motivo ou razão aparente.
Mas a verdade é que existem
dias poema, dias conto,
dias novela, dias crônica.
Hoje parece ser crônico.
O marido da crônica.
Tenho visto o sol nascer
de segunda a sexta.
Meu companheiro de tantas manhãs
acorda róseo, rubro, dourado
e dá à atmosfera azulada
um tom de tela surrealista.
O dia amanhece tridimensional.
Nasce silencioso. Brota sensual.
O sol rompe o horizonte
intrometido entre as nuvens e
vai-se impondo masculino
e viril ao desejo matinal.
A vida começa a agitar-se
como uma mulher na cama ao
lado do macho que a atiça.
E vice-e-versa.
Nas camas os casais despertam
com sede de vida.
O quente provoca o frio.
Arrepiam-se.
O tenor excita a soprano com
o risco de produzir sopraninos matinais.
O poeta deflora a poesia sem riscos,
só com palavras ditas
entre lambidas na orelha.
Das casas cheiram sexo,
café recém-coado e pão queimado.
Os ruídos compõem em crescente
uma sinfonia caótica.
Chuveiros, carros, colheres,
sussurros, despertador.
Primeiros prazeres confundem-se
com os deveres primários.
Prazeres primatas.
Animais.
Escravos despertam
para suas labutas.
Amantes acordam suas putas.
Soldados ensaiam outras lutas.
Um vai-e-vem de corpos comemora a diversidade.
Homens e mulheres.
Homens e homens.
Mulheres e mulheres.
De todas as idades.
Das diferenças.
Das comunhões.
Fiéis e infiéis.
Loucos e normais.
Fracos e fortes.
Senhores e senhoras.
Senhoras e senhores,
hoje eu acordei toda prosa
sem motivo ou razão aparente.
Por isso, vou dar-me ao luxo de espreguiçar,
tirar a remela dos olhos e, voyeur,
ficar espiando o sol fazer amor com as nuvens.
Viver é um tesão.
(Neguinha da Bahia-17/05/2010)
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