quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Crônica de uma vida

A vida como ela é...sem máscaras...nua e crua. Fazemos dela no final o que moldamos desde os nossos primórdios, quando pensamos brincar...e na realidade estamos criando a escultura que irá mostrar o que somos. Somos sim, escultores do nosso próprio busto. Que por vezes é feito de bronze e outras de areia...E quando é de areia, corre-se o risco de na primeira chuva ele desmanchar e não deixar vestígios...corre-se o risco de perder a identidade do escultor...
Eu, ainda menina, corria e brincava. Disfarçava já a tristeza que me rondava, entre os amigos de traquinagens...Corria solta pela rua, em piques, jogos e estrepolias...via crescer os amigos, os irmãos, os conhecidos...Não tinha preocupações com o futuro, e nem minha mãe parecia se preocupar, já que tinha tantos filhos pra cuidar...Minha mãe... Mulher brava e guerreira! Lavava, passava, cozinhava...e o fato é que o necessário, não faltava para nos alimentar...Meu pai, um visionário...que o álcool curtiu e o deixou perdido. Enquanto criança e adolescente, eu nunca soube o que é ter um pai, embora ele estivesse presente, melhor seria se estivesse ausente. E eu brincava, sonhava no futuro ser grande...sonhava, sonhava, sonhava...mas esqueci de lutar...esqueci de transformar meu sonho em realidade...me deixei contaminar pelas dificuldades que a vida apresentava...era tão mais cômodo não ter que encarar...Não percebi que a vida passava e eu ficava...cresci sem ver.
E veio a morte de repente assolar pessoas que jamais imaginei que pudessem morrer...Um irmão mais novo, caído e tombado no fio amolado de uma faca encravada numa artéria saltada...um rio de sangue...misturado às lágrimas da mãe desolada...A revolta aflorada...a dor coroando a infância difícil. O pai se foi também...não levado pela morte, mas por causa da morte levado. Pouca diferença se fez...e o tempo passou...eu sem tempo pra mim, cuidei da mãe que cedo adoeceu e toda se entortou...Namorado não veio, o noivo perdi, marido nunca existiu...na mente só a meta dos cuidados com a mãe...até que um dia, um filho ganhei...dele eu cuidei, ou pensei ter cuidado, o melhor que podia, o melhor que eu sabia...De novo abri mão da vida que eu queria para dele cuidar...o tempo passando, a vida seguindo, o filho crescendo, a mãe envelhecendo, e eu...não vivendo.
O amor nunca chegou...me esqueceu por completo. Estava imune ao sentimento que tanto exige de quem se apaixona...não sabia se comemorava ou se lamentava essa falta de saber e conhecer o tão decantado amor.
Nas reviravoltas da vida, num concurso de emprego vi meus sonhos concretos se realizarem! Vivi o meu conto de fadas, sem príncipe encantado, mas me sentindo realizada...O trabalho me enalteceu e pela primeira vez fui feliz! Acordava todo dia sorrindo e na frente do espelho me perguntava: Como pode ser isso, ganhar para me divertir? Faço o que gosto, pagaria para fazer...e no entanto...recebo e bem! 
Dois anos de sonhos...mas o despertador da vida tocou...a morte de novo assolou...outro irmão, ainda mais novo...o álcool matou...
A volta à rotina...cuidando da mãe, cada vez mais torta e ranzinza...o filho crescido...consigo um emprego pra ele...é um bom emprego! Peço para estudar...dou conselhos...mas ele se casa...menino novo demais...a menina é boa...mas nova demais...então imploro: não tenham filho agora...de nada adianta...conselho não se pode vender...o emprego tão bom...o futuro se perdendo...
Me olho no espelho...não consigo me ver...é o reflexo de minha mãe...as rugas iguais...momentos que se igualam...não...ela é guerreira...eu sou drama...ela é resignada...eu revoltada...mas a mulher do espelho...não sei dizer quem é...se eu ou se ela...se verdade...ou mentira.


(Nane-18/01/2012)

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