sexta-feira, 18 de junho de 2010

Poema fechou-se a boca



(Poema à boca fechada)


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago
********************************************


Agora é Saramago...
Em outra língua que falas
Ficou seu legado
mas nunca calado.

Consumiram você
represaram tuas águas que jorravam
cristalinas em versos
Calou-se a voz.

Será mesmo que não dirás?
Não José
a braveza nossa é compreensível
mas sabemos que merecem
mesmo sem te conhecerem...

No limo dos incultos
Se arrastam palavras chulas
Se enterram a poesia
no lodo, no limbo do poço escuro

E de onde estás, dirás,
agora sim calado e mudo
que quem se cala quando calastes
Não morreu sem dizer tudo.

*Homenagem a José Saramago

(Nane-18/06/2010)

Nenhum comentário:

Postar um comentário