segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

SEM MEDO DA VERDADE

Mãe,
estou aqui, velando por ti.
Não leve a sério meus destemperos.
Eu não levo os teus.
Somos mãe, carne da mesma carne,
embora a tua seja de primeira e a minha
aquela nervura entreposta.
Adoeci na tua doença mãe, e por isso
perco completamente o sentido do cuidar.
Não te peço perdão por saber que o teu amor
já me perdoou. Mas quero que saibas que dói 
em mim a falta da paciência.
Se em ti há sinais claros de um alzheimer,
em mim destaca-se a insanidade.
Me vejo despida de ti mãe, quando só consigo
vislumbrar no teu corpo envelhecido e tua
mente esquecida, um ser estranho tomando o 
espaço da mãe amiga e protetora que já, por 
um tempo se foi.
Somos mãe, carne da mesma carne. Mas a tua

é de primeira, enquanto a minha é só nervura
entremeando a sua.
Não te peço perdão por saber que teu amor já
me perdoou. Mas quero que saibas que dói em
mim (mais do que em ti) ver o que restou de ti.
Ainda me lembro, quando menina, na soleira de
um tanque de pedra, enquanto lavavas roupas
para o nosso sustento, eu te disse um dia que de ti
cuidaria. Ainda me lembro do teu sorriso enigmático,
agradecido e zombeteiro dizendo acreditar. Eu era
só uma menina.
Creio que essa promessa veio de outros tempos mãe,
e só o que espero é que eu possa levá-la à termo, já
que sinceramente devo te confessar: tá muito difícil
e complicado, mãe.
De novo não te peço perdão, posto saber do teu amor.
Mas se te expus mãe, foi por estar pesado demais o meu
fardo. Foi por não ter mais a força que tive um dia. Só
acredite que o meu amor por ti é tão grande quanto o teu
por mim.

(Nane-23/02/2015)

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