sábado, 26 de outubro de 2013

O pivete

Era só um menino (no alto dos seus nove ou dez anos) encostado na placa de publicidade de um ponto de ônibus da grande metrópole. Ele guardava sob a blusa suja e resgada as duas mãos, como que as protegendo do frio, ou as escondendo. A maioria das pessoas que aguardavam o transporte, o observava furtivamente, com medo do olho no olho (inclusive eu). Ele também nos olhava de soslaio, como se soubesse que havia um medo no ar. Acendi um cigarro, até para ter o que fazer com minhas mãos, e tentar esquecê-lo. Mas foi exatamente isso a "deixa" para que ele se aproximasse e dissesse: _Tia, me dá um cigarro? 
Numa fração de segundos minha mente processou inúmeros pensamentos: 
- se eu não der ele tira a arma escondida dentro da blusa e me mata.
- Se eu der, vou me sentir idiota por alimentar o vício de uma criança.
- E se meu filho, que é bem mais velho do que ele, me pedisse um cigarro?

- Se ele me mata, quem vai acabar de criar meu filho?
- Se eu morrer, vou querer uma festa em meu velório.
- Droga, nem disse adeus a ninguém.
- Quem irá ao meu enterro?

Eram pensamentos assim, sem nenhum sentido ou nexo, movidos pelo medo e a perplexidade de ter sido a "eleita" entre tantos ali presentes. Respondi num ímpeto que nem eu mesma sabia ser dona : 
_Você é filho do meu irmão? 
 _Não. 
_E da minha irmã?
Ele me olhou de cima em baixo, tirou as mãos de dentro da blusa ( nesse instante eu intimamente me despedi da vida ), e tranquilamente sorriu e respondeu:
_Tia, eu só quero um cigarro, daí vai... 
_Não sou sua tia. Eu disse, sentindo um grande alívio por ver que as mãos dele estavam só sendo protegidas do frio.
_ Tá, então me dá um cigarro, moça?
_ Não posso, é contra os meus princípios.
_ Seus o que???
_ Filho, não posso te dar um cigarro porque....
Antes que eu terminasse ele me interrompeu e perguntou :

_ Moça, a senhora já transou com o meu pai?
Eu atônita e furiosa, respondi quase gritando ( nessa altura já não havia medo nenhum em mim, só a indignação com aquele pivete ) :
_Tá maluco moleque? Não tem vergonha na cara? Isso lá é pergunta que se faça?

Ele se aproveitou da minha distração, deu um tapa na mão em que eu segurava o cigarro aceso, pegou-o no chão e antes de correr por entre a multidão gritou bem alto :
_ Então não me chame de filho, moça.


(Nane - 26/10/2013) 

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