quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Alzheimer

São claros os sinais do alzheimer, impossível não notar.
A memória privilegiada de minha mãe - num repente 
se deteriorou e agora ela troca o nome dos próprios filhos.
Seus traços no semblante  antes meigos - parecem agora
inquisidores e alheios.
Ainda resta-lhe discernimento, mas falta a vontade de permanecer
na sanidade que, parece, tanto mal lhe faz. Minha mãe se recolheu
num mundo todo próprio e não faz muita questão de sair de lá.
Seus olhos olham sempre na direção de um vazio inalcançável,
ou que é preenchido só pelo que ela mesmo enxerga, sem dividir
com mais ninguém.
Pergunta a todo instante quem são os atores da novela que insiste
em assistir, e a não entender o enredo.
Eu e ela temos história  e estórias - eu menina sabendo ser designada
aos cuidados para com ela no futuro, que agora é um passado tão distante.
Ela comigo - cuidando e ensinando a vida inteira, sendo amiga e companheira
enquanto me moldava no passado, já presente.
Restou a nós - um silêncio profundo, uma mudez de tantas palavras nas mentes,
sufocadas e guardadas por preguiça de saírem de nossas gargantas. E quando
saem - se atracam e se atacam sem perceberem o mal que fazem.
Meu mundo é minha mãe - ainda que calada, agressiva e mal cuidada, não sei 
o que fazer se ela me faltar. Ainda assim temo que eu lhe falte antes - por acreditar
que mais ninguém dela vai cuidar (ainda que bem) como eu tentei.

(Nane - 09/10/2013)

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